No Caminho - Na Verdade - Na Vida
Quando ainda não exercia o ofício de capelão, já atuava no segmento da educação experiencial ao ar livre; à época, tive contato com um livreto do saudoso Contardo Calligaris: A Adolescência, publicado pela "Publifolha". O pequeno escrito marcou-me profundamente, pois fora a primeira vez que lera algo dedicado à demitologizar a adolescência.
A adolescência, segundo Calligaris, é mero construto recente, categoria inexistente há não muito, mas que marcou profundamente as relações sociais ao longo do século 20. "A sua origem na sociedade moderna ocidental, segundo alguns historiadores, deu-se no final do século XVIII, tendo alcançado maior expressão em meados do século XIX, quando o mundo infantil e o mundo adulto passaram a ser vistos como espaços distintos (Ariès, 1981)".* O século 21, por sua vez, para além de herdar essa categoria, outrora associada a uma faixa etária, parece apresentar agora uma adolescência que não é mais categoria etária, mas puramente psicológica.
"O autor [Calligaris] comenta, ainda, que o alargamento desse “tempo de suspensão ou moratória” (p. 17), concedido ao adolescente na sociedade contemporânea, acabou por afetar a própria definição temporal de adolescência. Para ele, hoje, não mais parece existir um marco para o início e término da adolescência, observando-se, pois, a existência de adultos, acima dos 40 anos, ainda em situações de vida mais comuns na juventude (fazendo faculdade e/ou cursos técnicos, mudando de profissão, etc.)".**
Parece-me, todavia, que a coincidência das situações de vida supracitadas não é o problema, como o trecho acima pode dar a entender. Isso porque mudanças de carreira desencadeiam situações de vida outrora já vividas e não estou certo que a reedição de situação de vida seja necessariamente sintoma da falta de amadurecimento/prolongamento da adolescência. A migração de carreira, por sinal, exige muita maturidade. Mas sim, se uma mudança de carreira se somar a várias mudanças de carreira, podemos hipotetizar que se trata de imaturidade emocional, a qual pode ter como um de seus sintomas a inconstância.
Em que pese essa minha consideração, tenho que admitir que há que se perguntar se o eterno retorno a situações de vida associadas cronologicamente à adolescência não seja uma tentativa inconsciente de se permanecer/retornar para lá (adolescência). Mas que fique claro: a reedição das situações de vida independem dessas hipóteses, pois a despeito do que realmente motiva uma decisão profissional - uma migração de carreira, por exemplo - sempre reeditará alguma situação de vida associada cronologicamente a um ponto associado à adolescência, como cursar uma faculdade, por exemplo.
Suponho haver dois parâmetros que ajudam a discernir se uma escolha profissional é escolha que aponta para frente ou para trás: o primeiro parâmetro é a motivação. Duas pessoas adultas podem fazer o mesmo percurso "migracional" de carreira, trabalhando portanto na mesma direção, mas com sentidos opostos, uma apontando para a frente, outra para trás. Há quem queira sempre recomeçar para jamais terminar. O segundo parâmetro são as emoções desencadeadas do processo decisório. Adultos que que fazem escolhas profissionais ainda sob os matizes da imaturidade típica da adolescência, costumam apresentar/relatar os mesmos "dramas" de um adolescente. Esses dramas, grosso modo, são os lutos que os adolescentes fazem.
"o luto pelas escolhas profissionais da infância “propõe uma transformação na qual muito do prazer deve ser retido, porque agora a satisfação é buscada com maior respeito pelas exigências da realidade” (p. 164). Assim, a elaboração desse luto sempre deixa restos que retornam posteriormente, seja na atividade de trabalho da vida adulta, seja nas dificuldades em relação a esta". ***
Se eu tivesse que hipotetizar a respeito da principal marca da adolescência prolongada, eu diria que se trata da reedição dos lutos, um masoquismo com tons de autosadismo. Se o adulto retorna às mesmas situações de vida da adolescência - em busca da reedição dos lutos - pode ser que esteja entrando em um loop infinito. Lutos são únicos e necessários, mas quando prolongados ad eterno são sintomas de alguma adoecimento. Esse eterno retorno seria uma tentativa de eternizar o luto e quase sempre usa as situações de vida como meio para tanto. Quando acima apontei o parâmetro do sentido do movimento da escolha profissional (para frente ou para trás), estava a dizer sobre isso. O eterno retorno ao começo seria a possibilidade de reencontro com uma emoção que apenas se encontra nos inícios; os lutos de um adolescente, por exemplo.
Essa hipótese, por ocasião do presente rascunho, basta por ora. Anelo desencadear no(a) dileto(a) leitor(a) uma reflexão sobre as mudanças de carreira no contexto da adolescência prolongada na vida adulta, não uma conclusão. Minha recomendação é que se considere tal hipótese como verossímil a fim de que as decisões concretas estejam igualmente pautadas em causas concretas. Por fim, gostaria de recomendar a leitura do artigo 'Escolha Profissional na Adolescência: Um Estudo Psicanalítico', aqui citado.
© Rev. Moacir Gabriel
Teólogo
Psicanalista
* Costa, J. R., Medeiros, C. P. de, & Ribeiro, C. T. (2018). Escolha Profissional na Adolescência: Um Estudo Psicanalítico. Revista Subjetividades, 17(3), 104–116. https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v17i3.5924
** Ibid.
*** Ibid.