Igreja Anglicana e Capelania Universitária


Em 2011, então como ministro leigo, comecei atuar como capelão universitário e fundei a Capelania Universitária de Confissão Anglicana (CUCA), à época com outro nome. No início dos trabalhos no campus, estava incardinado em outra Diocese. Sou imensamente grato ao Bispo que nos apoiou naqueles dias, mas também faço questão de lembrar o quanto foi frustrante notar como este mesmo Bispo nutria oportunismo por nosso trabalho, não amor. Após meu desligamento daquela Diocese mantive a capelania como um ministério de confissão Anglicana, daí a mudança no nome para Capelania Universitária de Confissão Anglicana (CUCA). Outra motivação para a mudança no nome foi o respeito ao Bispo e à Diocese, não obstante a chateação. E mesmo tendo todo o direito ao nome, criação minha, o cedi à Diocese. O fato é que nunca mais confiei o trabalho de capelania aos cuidados de uma Diocese. O trauma foi agravado quando tive um blog - por mim registrado e criado - “confiscado” pela Diocese; na minha inocência julguei que poderia confiar, que poderia compartilhar administração do blog. Ledo engano, fui usado. Tudo isso me ensinou que boas pessoas, como é caso desse bispo, quando sem preparo para seu ofício, são capazes de trair a boa índole do seu próprio caráter. Este despreparo episcopal é, infelizmente, um mal que assola o anglicanismo no Brasil e reverbera nos trabalhos desenvolvidos por clero e leigos, como é o caso da CUCA. .

Mas para além do contexto particular da CUCA, importa salientar o quanto os movimentos universitários são devedores à Igreja Anglicana. Cito apenas alguns nomes, a saber, Charles Simeon, C. S. Lewis, John Stott e Alister McGrath. 

Simeon é conhecido como o pioneiro dos movimentos universitários. Ao que tudo indica foi modelo para John Stott. Simeon nasceu aos 24 de setembro de 1759. Quando começou sua vida acadêmica no Kings College, em Cambridge, não era muito afeito às coisas ditas religiosas. Há informações que nesta época seus interesses eram apenas os cavalos, a moda e os jogos. Consta que por alguma razão, dispensável de aqui ser explanada, teria começado a ler as Escrituras e alguns livros devocionais. Foi então que entrou em contato com livros do Bispo Wilson; mais especificamente o material que trata dos sacrifícios judaicos no Primeiro Testamento. Este contato teria sido responsável por uma epifania. Simeon estava convertido. Precisamos lembrar que à época da conversão de Simeon as universidades eram uma espécie de ancoradouro da Igreja Anglicana, lugar onde sempre fez questão de mostrar-se presente, e que também neste período o movimento metodista eclodira. Para encurtar nossa história, Simeon foi ordenado Presbítero na Igreja Anglicana e em 1782 foi apontado vigário pelo Bispo na paróquia da Santíssima Trindade nas proximidades da Universidade, em Cambridge. Os paroquianos, segundo consta, não teriam gostado muito de Simeon, pois este levava muito a sério seu ofício e não se limitava a entreter o povo. A proximidade com o campus universitário gerou frutos e ele acabou por se tornar inspirador dos primeiros movimentos universitários. Infelizmente, a parte da Alta Igreja Anglicana menospreza a importância de Simeon por ter sido ele parte da Baixa Igreja Anglicana (movimento evangélico). Mais triste ainda é notar o voluntário esquecimento que muitos movimentos universitários no Brasil adotam ao se valerem da memória de Simeon sem lembrarem de sua identidade denominacional. Sim, Simeon era um Presbítero Anglicano, gostem ou não. 

Este menosprezo, mesmo que às vezes desejado, não é possível para com C. S. Lewis. Mesmo os Anglicanos não Conformistas (Presbiterianos, por exemplo) são obrigados a se curvarem diante da importância de Lewis. Lewis foi ateu até seus trinta anos de idade. Foi amigo de J. R. Tolkien, e com ele se reunia para fumar - sim, eles fumavam um bom cachimbo de fazer inveja aos Hobbits - e beber cerveja em um típico pub inglês. Estas reuniões eram as reuniões do Inklings, grupo de escritores. Tolkien, que era Católico Apostólico Romano,  foi quem evangelizou Lewis, e talvez por isso tenha se frustrado tanto com Lewis ao saber que ele optara pela Igreja Anglicana e não a Romana. A frustração de Tolkien assemelha-se muito à frustração de muitos obreiros presentes nos campi brasileiros, uma vez que parece-lhes desconcertante o fato de Lewis não ter optado por uma denominação mais “confiável”. Sim, Lewis escolheu frequentar paróquias Anglicanas. Mesmo assim, Lewis goza de muita importância na apologética feita por aqueles membros das igrejas mais “confiáveis”, e, sobretudo, goza de importância literária. 

Aproveito a ocasião para mencionar en passant o nome de Jane Austen, outra referência literária que, a contragosto de muitos, também era Anglicana. Há uma vasta literatura a respeito da relação entre a fé  Anglicana de Austen e sua obra. Infelizmente, não conheço nenhuma em português. Outro nome a ser mencionado é T. S. Eliot. 

John Stott é outro nome que dispensa apresentações, bem como é outro nome que também causa constrangimento aos fiéis das igrejas “confiáveis”. Certa feita, ouvi de um Pastor que “apesar de anglicano, John Stott era bom”. Não suponho que fosse graças a ser Anglicano que Stott era bom, mas não me parece razoável este conceito tacanho que nutrem para com os Anglicanos. Stott faleceu aos 27 de julho de 2011, aos 90 anos; foi Presbítero Anglicano que sempre serviu na All Souls Church, em Londres. Mas seu nome é frequentemente associado ao pacto de Lausanne. A obra de Stott é largamente traduzida pelas editoras de gente “confiável” e, principalmente, é lida entre os que tomam parte nos movimentos universitários no Brasil. Por outro lado, infelizmente, o menosprezo dispensado a Simeon pela Alta Igreja Anglicana também é dispensado a John Stott. Igualmente lamentável é o voluntário esquecimento da identidade eclesiástica de Stott por parte da gente “confiável” que trabalha nos campi e faz uso de sua obra.

Alister McGrath é o nome mais recente e em plena atividade. McGrath também é traduzido pela gente “confiável”. Possui PhD em biofísica molecular e doutorado em teologia. É também Presbítero Anglicano e é atuante no ministério. Falar sobre ele dispensaria muitas linhas, de maneira que nos limitaremos a dizer que sua formação bivocacional é típica de clérigos anglicanos. Também é válido lembrar que McGrath é um discípulo de Lewis. Desnecessário seria dizer que o fato de ser Anglicano só é lembrado quando questões polêmicas são abordadas. Sua obra é referência para a apologética. No demais, ele é bom “apesar de ser anglicano”. 

Espero, sinceramente, que possamos, por meio do trabalho de Capelania, honrar a memória de homens e mulheres Anglicanos que tanto serviram a Igreja. Não considero coincidência que os movimentos universitários no Brasil e no mundo sejam devedores a nomes cuja fé foi a fé Anglicana. Sendo assim, compreendo que em um trabalho de capelania universitária de confissão Anglicana é indispensável que tenhamos em mente nossa tradição no nicho universitário. Não devemos ter constrangimento em fazer um trabalho confessional. A confissão anglicana dos nomes supracitados nunca foi a eles obstáculo. Não deveria ser para nós também. 



A partir de abril de 2024 a Capelania Universitária de Confissão Anglicana passou a ser Capelania Universitária & Corporativa Anglicana. 


Rev. Moacir Gabriel

Capelão